terça-feira, 24 de maio de 2011

Sobre endereços e passagens de ônibus...

   Em uma dessas minhas viagens semanais de 8 horas, preenchia o bilhete de passagem interestadual uns minutos antes de viajar e me ocorreu uma dúvida: qual é meu endereço? Dúvida esta, não por morar em um trailler (infelizmente), nem embaixo de uma ponte qualquer (graças a Deus), mas por estar em uma fase sem endereço fixo. De segunda a sexta (as vezes de segunda a quarta) na Rua Peru em Canoas, todas as noites de sexta a domingo na Av. Luiz Vanz e nas tardes de sabado e domingo na Av. Marechal Floriano em São José do Ouro. Pra quem reclama de tédio deve pensar: uau, isso é que é legal! Mas na verdade sinto falta da fixação!
   O homem era nômade e com a descoberta da agricultura, viu a vantagem de se fixar e cultivar a terra. Hoje é improvável pensar em viver assim, andando de um lado pro outro. Primeiro porque levar toda a bagagem seria impossível, sendo que para viajar 2 dias levo um mundo. Segundo porque as cidades seriam uma confusão só. Eu iria querer andar pelo litoral junto com 80% da população. E terceiro e talvez o mais importante de tudo: os vínculos afetivos. Na verdade o que nos faz sentir algo pelo outro é a convivência. Tudo bem que na teoria do nomadismo moderno conheceríamos um milhão de pessoas e culturas diferentes sem precisar de facebook, mas aqueles sentimentos que nutrimos por nossos vizinhos já eram. Pode ser ódio por aquele que coloca música alta quando você queria dormir, amor por aquela velhinha que sempre te da um pedaço de bolo quentinho ou atração por aquele vizinho lindo que sempre te cumprimenta no elevador. O fato é que vínculos são importantes e a convivência é a energia necessária para criá-las.
   Eu sou uma semi-nômade. Na verdade tenho três casas e vínculos multiplicados por três. Quem sabe um dia desses eu me fixo e estabeleço novos vínculos...
   Tudo por causa de uma passagem de ônibus, que eu nem lembrava mais... Detalhe que eu não preenchi o espaço do endereço e o motorista reclamou: Ah moço, eu sou do mundo!
   Falando em ônibus, eu acho que as passagens deveraim baixar de preço, mas isso é assunto pra outro dia, um dia que meu endereço for a estrada.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Um lugar para descansar os olhos.

    Na Antiguidade o trabalho era degradante, humilhante, reservado aos escravos. Naquele tempo ninguém perdia a vida tentando ganhá-la. São Tomás de Aquino chegava a recomendar o ócio. Foi no século XIX que o trabalho começou a tomar conta e se tornou um valor universal. Dezessete horas por dia, dos velhos as crianças.Com o crescimento das indústrias, trabalhar o máximo possível se tornou uma ordem. Trabalho, empresas, indústrias, produção, trabalho, lucro, lucro, trabalho, lucro, lucro. Dez anos depois se transformaram na geração PROZAC. A crise econômica não ajudou em nada. Fracassos ideológicos, fraturas nos sistemas que pareciam funcionar perfeitamente. A lista de desastres era longa, mas a mídia a resumia e o povo era aniquilado, apunhalado, sitiado por uma rede de informações, que funcionava como uma caixa de ressonância.
    Hoje o trabalho ocupa 12% de nossas vidas, quando no passado ocupava 70%. Redescobrimos o tempo livre, mas não somos livres o suficiente para viver esse tempo. Afinal, quanto tempo faz que você não fica "sem fazer nada"? Somos atingidos por um batalhão de tarefas e informações desnecessárias. Até o século XVIII a moral vinha do alto. A sociedade respeitava os valores religiosos e os "santos" ordenavam os valores a serem obedecidos e seguidos ao pé da letra. Pela primeira vez na história somos livres de preceitos religiosos. Podemos raciocinar e criar nossos próprios valores. A tão sonhada liberdade de escolher. Mas no que nos transformamos? O vazio a nossa frente é vertiginoso. Tudo é livre, aberto, mas sem alma.
   Uma época sem referências, um futuro aleatório, um nó social. A moral que vinha de cima, agora volta pelas antenas de TV, pelas redes sociais. Como decidir por nós mesmos com tal balbúrdia? Como fazer silêncio dentro de nós mesmos, redescobrir nossa sabedoria profunda, quando insistem em pregar valores globalizados que na teoria são muito bons, mas na prática... tenta pra ver. O formato televisivo molda a nossa vida: quadrada, controlada por um controle remoto e com espaço para a propaganda eleitoral. O ócio virou tédio.
    Como chegamos a esse ponto? Se não estamos trabalhando, estudando, lendo, cozinhando, limpando, não temos nada para fazer. São Tomás de Aquino deve se revirar no caixão (se é que foi enterrado num caixão). O ócio não existe mais. Um voto para a volta da preguiça! Um voto para dormir até tarde! Um voto para sentar no sofá sem precisar ligar a TV! Um voto para o NADA!
   O que na verdade tem máxima importância para a felicidade deixamos pra depois, como o recheio da bolacha, ou aquele bombom, o preferido da caixa. Mas a vida é curta. Devemos morde-la com vontade. Talvez não de tempo de comer o melhor dela.
   Precisamos descansar os olhos. Num lugar bonito, calmo, silencioso, mas cheio dos verdadeiros valores esquecidos a tempo. O melhor lugar para descansar os olhos é no olhos de outro alguém.