quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Mude sua geladeira e sua cidade.


          Sempre fui adepta a causas sociais. Escolhi meu curso e minha futura carreira, pois me permitem fazer jus a essas causas, mesmo sabendo que qualquer pessoa, em qualquer posição, em qualquer situação econômica pode ajudar alguém, mesmo que seja com apoio e dedicação. Apesar de muitos não terem essa noção, nem mesmo os próprios políticos, acredito ser a política um trabalho comunitário. Cheguei, há um tempo atrás, a ser a favor do trabalho de vereador sem remuneração, mas desisti, pois ninguém e nada funcionam sem dinheiro. Mesmo assim, mesmo recebendo salários, muitas vezes mais altos que professores, ser político é se doar. È uma doação de tempo, de dedicação, de esforço, porque não dizer de boa vontade, e a mais importante doação: a doação de idéias. E não pensem que é fácil doar idéias, por melhor que sejam, haverá os que irão criticar, por terem outras idéias, talvez por não entenderem ou na maioria das vezes por medo de mudança. Infelizmente temos medo de mudar, medo de idéias novas, brilhantes e que façam o mundo sair da rotina. E é por isso que o campo das novas idéias, não raramente fica dentro da cabeça de seus idealizadores. Para se administrar uma cidade é preciso além de toda essa doação, uma pitada de criatividade. Criatividade para driblar as críticas e de alguma forma responder a altura com ações. Criatividade para fazer o povo acreditar que mudanças nem sempre fazem mal, pelo contrário, uma mudança renova, faz a esperança renascer e é bom para a saúde! Raramente encontramos alguém que consiga enxergar onde essas mudanças são necessárias. A maioria das pessoas prefere parar no tempo, criar raízes, viver na calma e na medíocre vida rotineira, há mais de 30 anos igual, a mesma rua, a mesma casa, o mesmo sofá velho na sala e aquela geladeira que ainda produz gelo. Mesmo sabendo que existem geladeiras que não produzem gelo e poupam o trabalho da limpeza mensal, a maioria pensa: “essa ainda serve!” E assim a maior mudança da sua vida, é cortada por um simples comodismo de querer deixar tudo como está. Por que não é fácil mudar né¿ É preciso tirar aquele dinheirinho da poupança, é preciso se desapegar da velha geladeira, que passa mais tempo contigo do que os teus próprios filhos, é preciso se esforçar para escolher uma nova. Muito difícil, deixa como está. Mas digo: quem não consegue mudar de vida, não consegue mudar o mundo. Vejo muita gente engajada em projetos gigantescos, empenhada em resolver problemas sociais, que nunca dão certo. Sabe porque¿ Porque é preciso desapegar! Desapegar daquele sofá que rasgou fazem 10 anos e você cobriu com uma capa de lençol, desapegar daquele relógio que trincou fazem cinco anos e continua pendurado na parede, desapegar daquele monte de papel velho amarelando na gaveta da cômoda. Eu sei que o sofá ainda dá para sentar, o relógio dá pra ver a hora na maior parte do dia e o monte de papel serve de rascunho nas horas de aperto, mas o “ainda serve”, não me serve. Eu quero mais, quero um sofá novinho, com porta controle remoto e inclinável, quero um relógio que toque música na hora do almoço e quero uma gaveta cheia de novas idéias e propostas! O que eu desejo para a tua vida eu desejo para a nossa cidade. Eu levo meu filho no parquinho, e sério, dá para andar nos balanços. Mas não quero nem pensar se ele despencar do cabo e derrubar meu filho. Quero uma praça com areia, brinquedos novos e bem conservados, sombra no fim da tarde para tomar chimarrão enquanto as crianças brincam em segurança. Eu já fui no plantão do hospital em uma emergência e fui muito bem atendida. Mas eu não quero ir pra emergência, quero morar numa rua arborizada, sem poeira e sem buraco, que não faça minha alergia piorar a cada vez que eu passe na rua. Eu sei que nossa cidade ainda dá, mas eu quero que ela cresça, se desenvolva e se transforme junto com a população. Não quero que a cubram com um lençol velho e desbotado, deixando os problemas embaixo do pano, pelo contrário, quero que os problemas fiquem expostos e sejam resolvidos, com criatividade e principalmente de uma forma diferente da que vem sendo feita. É mais fácil que trocar a geladeira. É só pensar na hora de votar. Não se deixar influenciar pela vizinha, pelo parente, pelo partido, pelo pai. Eu sei que eles são pessoas boas, mas estão enraizados, enterrados e bloqueados a novas idéias. Você não, você é jovem, tendo 16 ou 80 anos. Se arranque do solo como se arranca uma erva daninha e se transforme em um girassol, que se volta à luz, essa mesma luz que é sinônimo de idéias.
Mude sua geladeira, seu sofá e sua cidade.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

O poder dos quietos.

       No começo da minha adolescência, acabei descobrindo algo que mudaria minha vida e minha personalidade para sempre. Eu nasci no interior, então não convivi quando criança com outras crianças. Há não ser minha irmã e minha prima mais velha. E segundo pesquisadores é na infância que se aprende o convívio social, o ato de dividir idéias e brinquedos, o compartilhamento. Mas eu não me tornei uma pessoa egoísta. Me tornei introvertida! 
      Mas retomando... No começo da minha adolescência vi que estava agindo diferente da maioria dos outros jovens com que passei a conviver. As idas a festas e a praça da cidade eu trocava sem sombra de dúvida por um sofá, um pijama confortável, alguns livros e um turbilhão de pensamentos meus, só meus.
      Aos poucos fui largando esse costume e me deixando infiltrar pelos extrovertidos. A sociedade tem o poder de transformar, não tem? No começo da minha fase escolar, existia espelho de classe. Eu adorava! Podia fazer meus exercícios de matemática em paz, escrever redações exclusivamente com as minhas idéias e escrever poemas na última folha do caderno, sem que ninguém percebesse.
      Com o passar dos anos, o espelho de classe foi dando lugar as aulas em círculos, as classes duplas. Eu estremeci. Os trabalhos em grupo começaram a ficar bem mais frequentes, e até aquelas aulas de matemática começaram a ficar grupais. Lembro de uma vez em que a professora mandou escrever um texto em grupo. Essa foi a gota d'água! Como assim? E eu, junto com minhas idéias e opiniões próprias, fomos escondidas pelos integrantes do grupo extrovertidos e populares. 
      Hoje, os introvertidos não tem chance. É preciso saber trabalhar em grupo, é preciso exprimir suas idéias, compartilhar seus pensamentos com os outros, que por serem mais sociáveis, acabam se apossando deles e usando-os para si. Todo o mérito dos introvertidos.
      Mas nem tudo nessa história foi negativo para mim. Eu aprendi a conviver com outras pessoas, não sou "bicho-do-mato". Consigo hoje estabelecer um diálogo com qualquer pessoa, compartilhar minha idéias e até agir como líder. O que é muito importante, quando se quer ter sucesso profissional.
      Na verdade a sociedade atual, vem transformando os introvertidos. Não é valorizado o trabalho individual, o espelho de classe, o pensamento individual. Qual o problema de guardar as idéias em cima do sofá de pijama e cobertor? 
     Os introvertidos são mais cultos, mais pensativos, mais inteligentes (segundo pesquisa). Deve ser por gastarem mais tempo filosofando e criando idéias do que gastando energia em contar seus projetos para Deus e o mundo.
        Como se auto-conhecer tendo mil olhares ao seu redor, tendo sempre um público esperando comentários? Sem um tempo se quer para olhar pra si mesmo e pra seus próprios pensamentos sem ter alguém fazendo pressão com o olhar.
        E esclarecendo: não estou fazendo uma campanha pra sigilo total de idéias e egoísmo cultural. Mas se você não possui esse dom social, fale suas idéias baixinho, de cima do sofá, vestindo um pijama e não vejo nenhum problema em se esconder embaixo do cobertor de vez em quando. Só não deixe a sociedade te transformar. Você é muito valioso, se souber ficar quietinho.
    

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Um CLJ só pra mim.

    O CLJ não mudou minha vida, eu tenho que admitir. Mesmo depois de todas aquelas lições de vida que se aprende lá, eu continuei a mesma pessoa. Continuei brigando com a minha irmã por motivos bobos, continuei deixando meu quarto desorganizado quando minha mãe mandava limpar, continuei deixando de estudar pra ver um filme na sessão da tarde. Não sei se sou só eu, mas aquela empolgação durava umas duas semanas e sumia... Pode ser minha fraca memória, ou pode ser que o CLJ não tenha me tocado tanto assim.
   Eu adorava participar das reuniões, ás vezes era o único momento de paz da minha semana, já que quando comecei a frequentar as reuniões, passava por um momento de decisões muito importantes na minha vida! E sim, o CLJ me ajudava a relaxar, a rezar, a acreditar. E por mais que eu visse que os outros tinham problemas muito maiores que os meus, no outro dia eu já nem me importava mais com "os outros", precisava resolver os meus, porque deixar nas mãos de Deus as vezes é tão demorado, tão difícil...
   E volto a repetir... eu não via mudanças na minha vida, no meu comportamento, no meu jeito de pensar. Até duvidava de Deus muitas vezes, questionava a Bíblia, reclamava das missas. E eu não era uma adolescente rebelde, era só meu jeito de pensar.
   Mas a gente aprende com a vida não é? É engraçado porque você só vai entender as coisas quando olhar pra trás. E isso vocês vão perceber mais tarde, quando tiverem maturidade suficiente para virar de costas para a vida, parar um pouquinho e analisar tua caminhada.
   Isso eu venho fazendo a uns dois meses. Analisando a minha vida. E sério, eu passei por muita coisa em muito pouco tempo, e aí que eu fui entender o porque daquele convite em uma sexta feira chuvosa e fria (tá, o chuvosa e fria foi pra dar mais emoção).
   Eu fiz dois anos e meio de cursinho, deixei de me divertir, de ver minha família por vários meses pra poder passar no vestibular e realizar meu sonho. Fiz dezenas de vestibulares antes de conseguir passar em um. E sabem porque eu não desisti? Por causa do CLJ. Foi lá que eu aprendi que Jesus ainda não desistiu da gente, por mais que os homens não aprendam a lição nunca. Eu sei que um dia Ele vai voltar, não é assim que termina aquela música?
   Quando eu finalmente passei no vestibular, outra pedrada na cabeça. Fiquei grávida! Por descuido, por destino, quem saberá? Eu tinha tudo pra não querer ter esse filho... Tinha entrado na tão sonhada faculdade, era muito nova, tinha muito medo. Sabe quem não me deixou cometer um crime? O CLJ. Foi lá que eu aprendi que uma vida nova é uma das coisas mais lindas que existe. Não é esse o quinto mandamento? Não matar. Jesus deu a vida pelos homens, quem sou eu para tirá-la?
    Eu deixei de duvidar de Deus quando meu filho chorou pela primeira vez, eu sabia que a partir daquele momento minha vida ficaria extremamente difícil. Não pensem que conciliar medicina e filho é fácil. Mas quando eu vi que ele tinha todos os dedinhos, duas orelhinhas e os meus olhos, eu sabia que tudo ia valer a pena.
   Hoje, quando sobra um tempinho, volto pro CLJ, só para matar a saudade. Mas confesso, não é a mesma coisa. Não é mais o meu CLJ. Tenho certeza que os manos mais velhos sentem a mesma coisa. Quem sabe é porque já aprendemos a lição. O CLJ não é mais meu, mas isso é a melhor coisa do mundo: a renovação. Uns saem para que outros possam viver esse momento mágico de reencontro e aprendizado. Por isso eu só tenho um conselho pra vocês: façam o CLJ de vocês, do jeito de vocês. Pode ser que agora Deus não faça nenhum sentido, mas quando vocês derem aquela estacionada pela vida, lembrem desse texto e olhem pra trás. Vocês vão perceber que Deus sempre esteve segurando a mão de vocês.
   Sabe, eu só quero uma coisa pro meu filho. Que ele tenha um CLJ só pra ele. Isso não vai impedi-lo de errar, de quebrar lampadas com uma bola, nem de tirar notas ruins na escola. Mas quando ele realmente precisar tomar uma decisão séria, sei que vai dar a mão para Deus.
     Mana Gabriele Zuanazzi Tonello

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O que se perde enquanto os olhos piscam.

     Alguns hão de concordar comigo. Porque móveis se chamam móveis se são imóveis? Na verdade não é sobre isso que eu quero falar. É sobre como as coisas imóveis tem vida, saem por aí, se perdem, num simples piscar de olhos. Tampa de caneta é meu maior exemplo, se abrir meu estojo não vai encontrar nenhuma. Isqueiro, caderneta, palheta, abridor de lata, documento original, guarda-chuva. Pra onde vai? Eu costumo ser organizada na medida do possível, mas algumas coisas somem. Pé de meia é um problema! Mas também qual o problema de usar um pé de cada meia? Pra onde vai o troco de moeda que a gente recebe no supermercado? O canhoto, o benjamim de tomada, o cadeado, o carregador de bateria, a cola, a extensão, rabicós, a manteiga de cacau, o óculos, as lentes de contato. Na verdade isso não vem me preocupando muito, mas é que ultimamente tenho notado uma perda muito maior, que anda atingindo a maior parte das pessoas.
    Pra onde vai a denúncia no jornal, a reclamação dos injustiçados, o reflexo inseguro, o pedido de socorro, a culpa da cópia, o bom dia da manhã, a bala que se disparou, o discurso radical?
    Pra onde vai todo nosso desalento? Todos nossos sonhos que morrem brisa e nascem tempestade? Simplicidade, prudência, a urgência do perdão andam tão sumidos...
    Aquele obrigado não dado, que a nossa má memória nem se sente culpada. Aquele beijo dado na festa, como era mesmo o nome dele? Pra onde vai aquele recado de amor que uma vez se colocava na geladeira? Pra onde vai a clareza das idéias, a busca do corpo por algo vital, a lição da queda. Pra onde foi nosso humor imoral?
   Pra onde vai toda reza interrompida pelo sono? Ela vale? São Longuinho me fale, me mostre, me dê um sinal! São Longuinho pra onde foi a coragem do meu coração? Perdemos muito piscando.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

A incrível arte de matar formigas.

   Madalena mora sozinha em uma grande cidade que contêm mais carbono que oxigênio. Saiu do interior para estudar, mas a vida levou seu pai e as contas levaram o dinheiro. Com mais três irmãos para criar, sua mãe lhe deu a notícia: você precisa trabalhar Lena. Seu pai a chamava de Lena. Talvez sua mãe tenha usado o mesmo apelido para amenizar a destruição de um sonho.
   Tinha 19 anos e nenhum namorado. Na cidade grande os caras não prestam, dizia sua mãe. Lena não era feia, mas não tinha dinheiro para comprar roupas bonitas e arrumar o cabelo. Então passava despercebida onde quer que fosse, com seu velho e batido moleton cor de cinza, cor do céu da cidade, cor do fim da vida.
  Arrumou um emprego numa fábrica de inseticidas. Ela só tinha que colar o rótulo nas embalagens cinzas, da cor do seu molenton, do céu da cidade e do fim da vida. Trezentos e noventa reais por mês. Duzentos de aluguel naquele quarto imundo nos fundos de uma pensão cheia de cachorros. Noventa reais dos remédios. Lena sofria de bronquite crônica e aquele quarto úmido fazia a tosse voltar toda noite.
  Um dia Lena esqueceu o pote de margarina com açúcar em cima da mesa. Foi aí que tudo começou. Quando chegou em casa, uma fila de formigas havia se formado dentro do quarto. Lena matou uma por uma com uma faca, cortando cada pedacinho. No outro dia colocou um inseticida embaixo do casaco e foi pra casa. Esperou as formigas aparecerem e borrifou uma por uma com o veneno. Naquela noite Lena tossiu mais que o normal. No outro dia foi ao posto de sáude ver se conseguia o remédio de graça. Havia gastado o último centavo comprando doces para as formigas. Parada na fila do posto as 5 da manhã, viu um chiclete mascado jogado no chão, cheio de formigas. Saiu da fila e com a ponta do pé foi matando uma por uma. Uma compulsão. Compulsão por formigas.
   Se um psiquiatra avaliasse Lena, diria que era um jeito de se vingar pelas desgraças da vida. Mas Lena era tranquila. Sabia que as formigas não fariam falta, assim como ela. Fazia anos que não dava notícias a mãe e aos irmãos. Cinza e despercebida no mundo.
  Lena aprofundou suas técnicas de matar formigas. Roubava inseticidas mais potentes e comprava instrumentos afiados e com pontas, além dos doces que atraíam as pequenas formigas.
  Um certo dia Lena tentou matar uma formiga e ela não morreu. Lena errou o alvo e acertou sua mão, por causa da tosse. Pegou um inseticida e borrifou em seu próprio rosto. O veneno atingiu as narinas, desceu pela traquéia, brônquios, bronquíolos, até atingir os alvéolos. Lena não tossiu mais.
  Foi encontrada pela dona da pensão 12 dias depois. Cinza como sempre foi. Cinza e cheia de formigas.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Sobre endereços e passagens de ônibus...

   Em uma dessas minhas viagens semanais de 8 horas, preenchia o bilhete de passagem interestadual uns minutos antes de viajar e me ocorreu uma dúvida: qual é meu endereço? Dúvida esta, não por morar em um trailler (infelizmente), nem embaixo de uma ponte qualquer (graças a Deus), mas por estar em uma fase sem endereço fixo. De segunda a sexta (as vezes de segunda a quarta) na Rua Peru em Canoas, todas as noites de sexta a domingo na Av. Luiz Vanz e nas tardes de sabado e domingo na Av. Marechal Floriano em São José do Ouro. Pra quem reclama de tédio deve pensar: uau, isso é que é legal! Mas na verdade sinto falta da fixação!
   O homem era nômade e com a descoberta da agricultura, viu a vantagem de se fixar e cultivar a terra. Hoje é improvável pensar em viver assim, andando de um lado pro outro. Primeiro porque levar toda a bagagem seria impossível, sendo que para viajar 2 dias levo um mundo. Segundo porque as cidades seriam uma confusão só. Eu iria querer andar pelo litoral junto com 80% da população. E terceiro e talvez o mais importante de tudo: os vínculos afetivos. Na verdade o que nos faz sentir algo pelo outro é a convivência. Tudo bem que na teoria do nomadismo moderno conheceríamos um milhão de pessoas e culturas diferentes sem precisar de facebook, mas aqueles sentimentos que nutrimos por nossos vizinhos já eram. Pode ser ódio por aquele que coloca música alta quando você queria dormir, amor por aquela velhinha que sempre te da um pedaço de bolo quentinho ou atração por aquele vizinho lindo que sempre te cumprimenta no elevador. O fato é que vínculos são importantes e a convivência é a energia necessária para criá-las.
   Eu sou uma semi-nômade. Na verdade tenho três casas e vínculos multiplicados por três. Quem sabe um dia desses eu me fixo e estabeleço novos vínculos...
   Tudo por causa de uma passagem de ônibus, que eu nem lembrava mais... Detalhe que eu não preenchi o espaço do endereço e o motorista reclamou: Ah moço, eu sou do mundo!
   Falando em ônibus, eu acho que as passagens deveraim baixar de preço, mas isso é assunto pra outro dia, um dia que meu endereço for a estrada.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Um lugar para descansar os olhos.

    Na Antiguidade o trabalho era degradante, humilhante, reservado aos escravos. Naquele tempo ninguém perdia a vida tentando ganhá-la. São Tomás de Aquino chegava a recomendar o ócio. Foi no século XIX que o trabalho começou a tomar conta e se tornou um valor universal. Dezessete horas por dia, dos velhos as crianças.Com o crescimento das indústrias, trabalhar o máximo possível se tornou uma ordem. Trabalho, empresas, indústrias, produção, trabalho, lucro, lucro, trabalho, lucro, lucro. Dez anos depois se transformaram na geração PROZAC. A crise econômica não ajudou em nada. Fracassos ideológicos, fraturas nos sistemas que pareciam funcionar perfeitamente. A lista de desastres era longa, mas a mídia a resumia e o povo era aniquilado, apunhalado, sitiado por uma rede de informações, que funcionava como uma caixa de ressonância.
    Hoje o trabalho ocupa 12% de nossas vidas, quando no passado ocupava 70%. Redescobrimos o tempo livre, mas não somos livres o suficiente para viver esse tempo. Afinal, quanto tempo faz que você não fica "sem fazer nada"? Somos atingidos por um batalhão de tarefas e informações desnecessárias. Até o século XVIII a moral vinha do alto. A sociedade respeitava os valores religiosos e os "santos" ordenavam os valores a serem obedecidos e seguidos ao pé da letra. Pela primeira vez na história somos livres de preceitos religiosos. Podemos raciocinar e criar nossos próprios valores. A tão sonhada liberdade de escolher. Mas no que nos transformamos? O vazio a nossa frente é vertiginoso. Tudo é livre, aberto, mas sem alma.
   Uma época sem referências, um futuro aleatório, um nó social. A moral que vinha de cima, agora volta pelas antenas de TV, pelas redes sociais. Como decidir por nós mesmos com tal balbúrdia? Como fazer silêncio dentro de nós mesmos, redescobrir nossa sabedoria profunda, quando insistem em pregar valores globalizados que na teoria são muito bons, mas na prática... tenta pra ver. O formato televisivo molda a nossa vida: quadrada, controlada por um controle remoto e com espaço para a propaganda eleitoral. O ócio virou tédio.
    Como chegamos a esse ponto? Se não estamos trabalhando, estudando, lendo, cozinhando, limpando, não temos nada para fazer. São Tomás de Aquino deve se revirar no caixão (se é que foi enterrado num caixão). O ócio não existe mais. Um voto para a volta da preguiça! Um voto para dormir até tarde! Um voto para sentar no sofá sem precisar ligar a TV! Um voto para o NADA!
   O que na verdade tem máxima importância para a felicidade deixamos pra depois, como o recheio da bolacha, ou aquele bombom, o preferido da caixa. Mas a vida é curta. Devemos morde-la com vontade. Talvez não de tempo de comer o melhor dela.
   Precisamos descansar os olhos. Num lugar bonito, calmo, silencioso, mas cheio dos verdadeiros valores esquecidos a tempo. O melhor lugar para descansar os olhos é no olhos de outro alguém.