domingo, 11 de abril de 2010

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Fazem dois meses que meu marido sumiu. Foi comprar cigarros e não voltou mais. Meu filho acorda toda noite, chamando pelo pai. Éramos felizes. Ele não pode ter nos abandonado, não pode.

Minha irmã morreu de acidente de carro. Era estudante de medicina, terceiro semestre. Sempre foi responsável e dedicada. Um sujeito fdp estava alcoolizado e bateu no carro dela. Não aconteceu nada com ele, já com a minha irmã... Desculpe, não quero mais falar.

Minha casa foi destruída. Eu tinha uma boneca de cabelos ruivos e não deu tempo de salvá-la. Meu pai disse que a minha mãe também ficou lá, cuidando da boneca. Pelo menos a minha mãe não está sozinha. Meu pai disse que ela não vai mais voltar. Eu não gosto quando chove. Tenho medo de perder meu pai também.

Meu pai morreu de câncer. Eu não sei o que é isso. Só sei que faz a gen te chorar a noite, de saudade.

Minha filha foi assassinada na saída da faculdade. O assassino está preso. Mas isso é pouco. Minha filha não está mais aqui. Não é a vida que é cruel, são os homens.

Ouvi barulhos na rua. eram umas nove horas. Passos apressados, gritos de criança, tiros de escolpeta, batidas de carro, pratos quabrados na casa vizinha. A chuva não para. Uma mulher grita e uma mão fria abafa o grito. Outro tiro.
Estava passando a novela e eu nem saí para ver o que estava acontecendo.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Vou subir a montanha de pés descalços.

''A vida inteira pra me achar, só pra me perder no fim. Quem me encontrar, por favor, devolva-me.''
Ontem programei meu dia pela primeira vez nessas férias. Talvez porque pela primeira vez tivesse algo pra fazer. Fui ao banco, à  locadora, à cotureira, revelei fotos e voltei pra casa meio-dia para fazer o almoço. Assisti à um filme e me vesti para ir à piscina. Mas estava perfeito demais e acabei descobrindo que a piscina estava fechada. Sem mais opções fui à casa de uma amiga da minha mãe. Sentei na grama, tomei chimarrão, comi pipoca. Depois de algum tempo apareceu o marido dela, me olhou e disse: Gabi, aproveite a tua idade, a beleza da juventude e essa mania de achar que tudo na vida é fácil (não sei porque, mas acho que ele me ouviu tentando convencer a minha mãe a passar uns dias em Floripa). Sabe - continuou ele - a gente evolui até certa idade, depois, tudo começa a decair. E eu não estou falando fisicamente, acredite, isso é o de menos. O pior de tudo são as perdas. Cada perda deixa um buraco aqui dentro, no final da vida morremos ocos. Tentei descontrair dizendo que devemos levantar a cabeça e não se deixar abater pelos problemas da vida, ma o fato é que ele me deixou pensativa. Agradeci pela piscina estar fechada: penso, logo existo.
Conhecem aquela frase: Envelhecer é como escalar uma montanha, podemos estar cansados, mas a vista é cada vez mais linda. Depois dessa conversa, fiquei na dúvida. Não deve ser bonita para todos. Essa tal vista deve ser como olhar para o passado. É claro que a maioria vai olhar para trás e ver os filhos criados, os objetivos conquistados. Mas meu medo é olhar para trás e ver a vida vazia, sem sentido. E se quando chegar ao final surgir a pergunta: Era só isso?
Depois de um tempo chegou uma mulher e um menino. Ela não tinha dinheiro nem pra pagar um pacote de erva, estava fumando e reclamava que OS pais das crianças não pagavam a pensão. Fique imaginando qual seria a vista que essa mulher teria ao chegar no alto da montanha. Será que as perdas que o homem falou também nos deixam mais leves para subir a montanha mais rápido e tudo acabar de uma vez?
Se um dia eu sentir esse vazio, se as perdas começarem a chegar e tudo se dissolver por dentro, vou preencher-me com uma caixa absurdamente abarrotada de lembranças. Quero estar bem pesada para subir a montanha bem devagar e ter tempo para apreciar a vista. Vou de pés descalços para sentir cada pedrinha do caminho.
Obs: Texto encontrado em uma pasta qualquer num inspirador dia de férias, resolvi publicar!