quinta-feira, 9 de junho de 2011

A incrível arte de matar formigas.

   Madalena mora sozinha em uma grande cidade que contêm mais carbono que oxigênio. Saiu do interior para estudar, mas a vida levou seu pai e as contas levaram o dinheiro. Com mais três irmãos para criar, sua mãe lhe deu a notícia: você precisa trabalhar Lena. Seu pai a chamava de Lena. Talvez sua mãe tenha usado o mesmo apelido para amenizar a destruição de um sonho.
   Tinha 19 anos e nenhum namorado. Na cidade grande os caras não prestam, dizia sua mãe. Lena não era feia, mas não tinha dinheiro para comprar roupas bonitas e arrumar o cabelo. Então passava despercebida onde quer que fosse, com seu velho e batido moleton cor de cinza, cor do céu da cidade, cor do fim da vida.
  Arrumou um emprego numa fábrica de inseticidas. Ela só tinha que colar o rótulo nas embalagens cinzas, da cor do seu molenton, do céu da cidade e do fim da vida. Trezentos e noventa reais por mês. Duzentos de aluguel naquele quarto imundo nos fundos de uma pensão cheia de cachorros. Noventa reais dos remédios. Lena sofria de bronquite crônica e aquele quarto úmido fazia a tosse voltar toda noite.
  Um dia Lena esqueceu o pote de margarina com açúcar em cima da mesa. Foi aí que tudo começou. Quando chegou em casa, uma fila de formigas havia se formado dentro do quarto. Lena matou uma por uma com uma faca, cortando cada pedacinho. No outro dia colocou um inseticida embaixo do casaco e foi pra casa. Esperou as formigas aparecerem e borrifou uma por uma com o veneno. Naquela noite Lena tossiu mais que o normal. No outro dia foi ao posto de sáude ver se conseguia o remédio de graça. Havia gastado o último centavo comprando doces para as formigas. Parada na fila do posto as 5 da manhã, viu um chiclete mascado jogado no chão, cheio de formigas. Saiu da fila e com a ponta do pé foi matando uma por uma. Uma compulsão. Compulsão por formigas.
   Se um psiquiatra avaliasse Lena, diria que era um jeito de se vingar pelas desgraças da vida. Mas Lena era tranquila. Sabia que as formigas não fariam falta, assim como ela. Fazia anos que não dava notícias a mãe e aos irmãos. Cinza e despercebida no mundo.
  Lena aprofundou suas técnicas de matar formigas. Roubava inseticidas mais potentes e comprava instrumentos afiados e com pontas, além dos doces que atraíam as pequenas formigas.
  Um certo dia Lena tentou matar uma formiga e ela não morreu. Lena errou o alvo e acertou sua mão, por causa da tosse. Pegou um inseticida e borrifou em seu próprio rosto. O veneno atingiu as narinas, desceu pela traquéia, brônquios, bronquíolos, até atingir os alvéolos. Lena não tossiu mais.
  Foi encontrada pela dona da pensão 12 dias depois. Cinza como sempre foi. Cinza e cheia de formigas.

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