segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O que se perde enquanto os olhos piscam.

     Alguns hão de concordar comigo. Porque móveis se chamam móveis se são imóveis? Na verdade não é sobre isso que eu quero falar. É sobre como as coisas imóveis tem vida, saem por aí, se perdem, num simples piscar de olhos. Tampa de caneta é meu maior exemplo, se abrir meu estojo não vai encontrar nenhuma. Isqueiro, caderneta, palheta, abridor de lata, documento original, guarda-chuva. Pra onde vai? Eu costumo ser organizada na medida do possível, mas algumas coisas somem. Pé de meia é um problema! Mas também qual o problema de usar um pé de cada meia? Pra onde vai o troco de moeda que a gente recebe no supermercado? O canhoto, o benjamim de tomada, o cadeado, o carregador de bateria, a cola, a extensão, rabicós, a manteiga de cacau, o óculos, as lentes de contato. Na verdade isso não vem me preocupando muito, mas é que ultimamente tenho notado uma perda muito maior, que anda atingindo a maior parte das pessoas.
    Pra onde vai a denúncia no jornal, a reclamação dos injustiçados, o reflexo inseguro, o pedido de socorro, a culpa da cópia, o bom dia da manhã, a bala que se disparou, o discurso radical?
    Pra onde vai todo nosso desalento? Todos nossos sonhos que morrem brisa e nascem tempestade? Simplicidade, prudência, a urgência do perdão andam tão sumidos...
    Aquele obrigado não dado, que a nossa má memória nem se sente culpada. Aquele beijo dado na festa, como era mesmo o nome dele? Pra onde vai aquele recado de amor que uma vez se colocava na geladeira? Pra onde vai a clareza das idéias, a busca do corpo por algo vital, a lição da queda. Pra onde foi nosso humor imoral?
   Pra onde vai toda reza interrompida pelo sono? Ela vale? São Longuinho me fale, me mostre, me dê um sinal! São Longuinho pra onde foi a coragem do meu coração? Perdemos muito piscando.

Nenhum comentário:

Postar um comentário