domingo, 12 de setembro de 2010

Eu não sei se era pra eu ter nascido. Imagino que alguém tenha me empurrado ou eu tropecei e nasci por engano. Parecia um bebê saudável, mas fui crescendo e acho que meus pais pensaram que eu não ia me criar. Sempre fui muito magrinha, tinha medo de tudo que fizesse barulho, não falava muito, mas tinha saúde, era o que importava. Quando eu tinha 2 anos, um primo meu, com o qual eu brincava, morreu com um choque. Mas eu continuava brincando com ele, falando com ele, o que preocupava muito a minha mãe e fez com que a visita de um padre fosse constante lá em casa. Acho que isso fez com que minha sensibilidade em relação às almas do outro mundo fosse parcialmente esquecida. Nasci no interior, brinquei com barro, subi em arvores, mas nunca tive muitos amigos, talvez por ser uma criança sincera demais. Minha mãe conta que fomos visitar uma amiga dela e a filha me deu um ursinho para brincar. Eu recusei dizendo: Não quelo mãe, ta sujo! Minha mãe perdeu amigas por minha causa. Prestava muita atenção na conversa dos adultos e uma vez ouvi a minha mãe falar que a afilhada dela era uma vespa de tão brava. Justo em um dia que a tal afilhada veio visitar a minha mãe, eu comia uma bolacha sentada no chão e uma vespa pousou nela. Corri gritando pra minha mãe: Mãaaaae, olha só, a tua afilhada ta na minha bolacha! É, eu era bem espertinha. Nos mudamos pra cidade quando eu tinha 6 anos. Eu não ia no mercado sozinha, não tinha amigos, não falava com ninguém. Na verdade eu tinha medo das pessoas e quanto mais cresço, mais sei que eu tinha razão. O fato é que eu sempre preferi os mais quietos, os tímidos como eu. Quanto menos as pessoas falam, mais elas pensam. Só que assim, ninguém falava e eu continuava só pensando. Adorava ouvir as conversas dos adultos, eram bestas e até hoje eu morro de medo de falar uma coisa adulta demais. É preciso ser idiota pra ser feliz, fazer coisas idiotas, errar. Meu quarto era gigantesco, mesmo eu dividindo-o com minha irmã, e ainda com o guarda-roupa da empregada. Hoje tenho um quarto só pra mim e ele parece minúsculo. Mas na verdade sei que fui eu quem cresci. Quando somos crianças achamos que o mundo é gigante. Hoje eu sei que ele é menor que o meu cérebro. Desde a primeira série tirei notas boas na escola, era a melhor aluna, sentava na frente. Sonhava em mudar o mundo e a profissão que mais se encaixava nesse sonho era a medicina. Hoje no 1º semestre da faculdade eu vejo que não vou poder mudar nada. Meu professor falou: Primeiro vocês vão estudar no modelo anatômico, depois no cadáver, depois no pobre e aí sim vão poder curar o rico. Foi um balde de água fria na minha cabeça. E eu sei que eu posso ajudar, atender de graça, fazer um projeto social, mas também sei que eu não vou fazer nada disso. Muito trabalho, pouco dinheiro. A vida custa mais caro que uma mansão na praia, um iate e um cavalo na fazenda. E eu estou aprendendo aos poucos que não se pode mudar o mundo, ele te muda antes. Já devorei todos os livros que tem lá em casa. Desde O pequeno príncipe até aquelas revistas Pequenas empresas, grandes negócios. Lembro que minhas amigas passavam lá em casa no domingo a tarde: Gabi, vamos sair? E eu: Não posso, to lendo! Minha mãe pensava que eu não ía dar trabalho. Quietinha, gostava de ler, não precisa mandar estudar e nem deixar de castigo por ter saído escondido. Ah mãe, filhos vem ao mundo pra dar trabalho, inclusive os que vêm por engano. Eu prometo que não vou ser presa, mas o resto... Vou ver até quando consigo me manter viva nesse mundo que não era pra ser meu.

2 comentários:

  1. Gabiii! Muito lindo!
    Sempre te achei fascinante. Timida e fascinante. QUieta e fascinante. Simplesmente fascinante.
    Primeir foste a guria que dividiu o quarto com a minha irmã e depois passou a ser a irmã da minha amiga Carol e agora te vejo como uma grande isnpiração, ou como um reflexo distante no meu espelho.
    Gosto muito do que tu escreves. Tens um jeito mágico que faz com que eu me transporte do meu mundo pra um mundo meu Gabrielístico,que parece ser meu também!
    Tens tudo pra ser uma grande médica e uma escritora maior ainda!
    Te admiro!
    Beijos Emy!

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  2. quando eu li a parte do teu primo que morreu com um choque.. lembrei das nossas conversas aqui em Passo Fundo!
    como sempre, um maravilhoso texto neh Binhê? quero ser a primeira a comprar o teu livro ;) haha
    tu sabes que és o meu orgulho! I miss You

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