quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Saudade

Eu vou falir meu pai em passagens de ônibus, vou ter problema de circulação nas pernas por passar tanto tempo sentada na mesma posição, vou engordar 20 kg por comer tanta porcaria nas viagens e vou enlouquecer se mais alguém que por acaso sentar ao meu lado, resolver me contar a sua vida inteira. Mas eu juro que prefiro passar por tudo isso, do que sentir saudade. Vou confessar, claro que eu sinto saudade dos meus pais, da minha irmã e das minhas amigas. Porém essa é uma saudade suportável, eu aguentaria numa boa. A saudade insuportável é a saudade de quem se ama. Porque você não pode perguntar o que ele comeu de café da manhã, se resolveu tomar leite como você recomendou, se adquiriu uma nova marca roxa resultado do futebol, se assistiu Todo mundo odeia o Cris... No fundo você sabe que vai chegar o final do dia e ele não vai bater na porta tapando o olho mágico com o dedo, fingindo que você não sabe quem é. E o dia vai acabar, parecendo que nem começou, porque se ele não vem é como se as coisas não tivessem acontecido.
Eu posso demorar três meses pra voltar pra casa que eu sei que meu pai vai continuar ligando a tv durante o almoço, minha mãe desligando logo em seguida e minha irmã não querendo comer carne por dó dos 'amiguinhos'. Eles vão estar ali, podem cortar o cabelo, ter engordado uns quilinhos, pintado o cabelo de uma cor diferente, mas vão me abraçar quando eu chegar, a mãe vai fazer um jantar delicioso, o pai vai me buscar na rodoviária e minha irmã vai reclamar: Hum, sei porque tem janta boa hoje, a 'querida' veio.
As amigas podem mudar, podem arrumar outros amigos, outros amores, outras histórias, mas aquelas que a gente viveu juntas vão ser sempre as mesmas, não tem como mudar e só lembrá-las para o sentimento voltar a ser mesmo. A amizade tem dessas coisas, o passado faz com que ela nunca mude, permaneça intacta, permanente, estável.
Já o amor... É como deixar um carro na rua por 3 meses, abandonado. Ele pode ter alarme, sistema de trava elétrica, blindagem... Mas você não sabe se alguém o riscou enquanto passava do seu lado, se furou um pneu, se os passarinhos o sujaram durante a noite, se outro carro resolveu ocupar o mesmo espaço e já não existe para choque, ou pior, se alguém conseguiu roubar, mesmo você tendo investido tanto em segurança. O amor é instável, inseguro, imaturo, inconsequente. É por isso que é essa a saudade mais insuportável de todas, por medo que ela não seja recíproca. Por medo de ele ter mudado o cabelo e alguém a mais ter reparado, por medo de ele conhecer pessoas novas e você não parecer tão legal assim perto dos outros, por medo de ele deitar na cama a noite e o seu último pensamento ser: "Droga, amanhã tenho que trabalhar cedo"! Saudade se tem de quem já se conquistou por inteiro, de quem não precisa de alarme, blindagem e travas de segurança. Dor de saudade se sente por quem se ama e está longe. Mesmo por telefone ou internet, ainda falta o mais importante: olhar nos olhos e ver que não tem nenhum risquinho a mais na retina, que as marcas roxas já sumiram do último futebol, que o cabelo continua fofinho, e o mais importante, ninguém conseguiu levá-lo embora.
Eu posso viajar um dia todo, aguento as velhinhas contando a sua vida, o formigamento da perna e meu pai pedindo se tem cara de banco, mas do meu carro eu cuido bem e essa tal dor, já não sinto mais.

2 comentários:

  1. Texto lindo amiga.
    Chorei lendo.

    te amo, saudades
    Beeijo Vah

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  2. ótimo texto, assim como todos os que estão postados, continue. Parabéns ! bjbj

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